Estamos sempre cometendo paradoxos em nossos atos de fala. Falamos as coisas por expressões tão auto-contrastantes, que nem percebemos o quanto falamos pelos contrários. Explico. Estava no salão cortando o cabelo com a Marli. Fui elogiar o seu profissionalismo: ‘que legal, né, Marli, você ama o que faz!’. Ela: ‘O pior é que eu amo!’ Martelei: ‘O pior é que eu amo’… Pera, pensei. A forma correta não seria: ‘O melhor é que eu amo?’ Estamos sempre nos contradizendo nas palavras que usamos. Falamos coisas que praticamente desdizem aquilo que de dizer acabamos. ‘O pior é que eu amo’. Tudo bem, eu entendo. Ainda temos em nosso sangue o ranço daquele modo pesado de olhar pro trabalho, como se ele tivesse que ser um penar. Vai ver é a herança etimológica que nos pesa. Essa que nos conta a linhagem da palavra trabalho. Essa que nos diz que trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de três paus usado na idade média para torturar os que se desviavam do caminho reto. Enfim, não estaria na hora de ressignificar isso? De poder dizer, por acreditar mesmo, ‘o melhor é que eu amo’. Porque o melhor é sempre amar. Amar o que se faz, amar o que se tem, amar quem se tem (se é que o verbo ter é mesmo o mais adequado quando falamos de pessoas. Afinal, pessoas não são coisas das quais podemos nos apropriar. Mas isso é história pra outra crônica. Depois eu conto). Querer as coisas que nos sustentam, que nos tomam muitas horas do dia como coisas que nós queremos bem, pode ser uma solução pra olharmos pra vida como um lugar mais vivo, mais realizado. Precisamos aprender a ser mais felizes nas palavras que usamos. Prestar mais atenção às coisas que dizemos pode significar dizer aquilo que nós realmente queremos. Quando o pior for pior, que ele seja dito assim, da forma que ele se diz. Mas quando o pior for melhor, melhor que ele seja dito melhor. Porque melhor é a palavra que melhor nos diz.