A noite tinha tudo para dar errado. Fomos àquele restaurante do outro lado da cidade. Carro, estrada, frio. Nós com muitos agasalhos. Mesa para dois. Espera. Cardápio. O quê? Só havia a opção de menu completo. Uma grana que nem em sonho nós teríamos. Disfarçamos. Culpamos o menu, que era muito restrito. Não era. Era apenas muito caro. E nós não estávamos naquelas condições. Saímos numa frustração que permaneceu por nosso trajeto de volta, pela estrada, pela noite, pelo tempo, pelo frio. Conversamos sobre desigualdade social, abuso, excesso de lucro, classes. Tudo aquilo que neste país nos revolta. E compreendemos a sensação dos meninos pobres. A opressão que um sistema econômico pode ter sobre os menos favorecidos. Eles não sabem que são tão oprimidos. Ou talvez saibam e apenas estejam resignados. Mas acho que não sabem. Ao menos não a dimensão de sua opressão. Por sua vez, o rico também não quer saber, pois não é. A opressão não se entende onde ela não se faz. São realidades muito distantes. Estamos no meio. Já soubemos o que é ter o suficiente para não se pensar no menu, no valor do cardápio, no vinho. Hoje já não é mais assim. E que seja. Isso pode nos revoltar, não só por nós, mas também pelos demais. Mas isso não pode nos entristecer. Estamos de mudança para Europa. Lá, teremos de nos readaptar. Lá, esperamos, as coisas talvez sejam menos desiguais. Lá, esperamos, a comida boa e o vinho bom podem sair do supermercado. Já íamos para casa quando decidimos parar em frente à Catedral. Aquele monumento gótico no meio do centro da cidade. Aquela iluminação que nos fazia perseguir o corpo da construção na direção da escuridão dos céus. Mas lá no alto, outras luzes. Estrelas. E uma lua ainda em seu processo de nascer, tímida, com a beleza de sua presença. Abaixo do monumento histórico, uma carrocinha de hamburguers. Um rapaz que por mais de vinte anos já estava ali. ‘Você sabia que, desde que eu era adolescente, eu venho aqui? Uns dezesseis, dezessete, eu saía da escola à noite e vinha, uma turma, era o point noturno da cidade, era o lugar de encontro daqueles que ainda não eram adultos, mas achavam que assim já podiam ser.’ E o passado de lembranças boas voltou e deu ainda mais luz àquela noite fria. Nos lembramos que tínhamos uma garrafa de vinho no carro. ‘Moço, você teria dois copos descartáveis, por favor?’. Um eggcheese, um cheessebacon e dois copos plásticos com Pinot Noir. Um brinde a um aprendizado profundo. A felicidade daquele momento não poderia ser comprada por um restaurante chique. A felicidade daquele momento não poderia ser achada em outra companhia. Nosso olhar, nosso brindar, o frio de sete graus, o banquinho da praça e até mesmo o bêbado que nos pediu um copo e disse, ao dar o primeiro gole, “hum… margoso…”. Rimos. Tudo estava certo. A frustração havia se tornado uma compreensão. Não são os lugares, nem os menus completos, nem os molhos de funghi secchi. São as pessoas e o amor que sentimos por elas que nos dão a felicidade brindada, o brinde sincero. Fora isso. O resto é tudo passagem. E você, com seu sorriso, segue sendo. A minha mais linda paisagem. Te amo.