O bondezinho amarelo vem vindo. Para, entra gente, salta gente, apita o sino, ele segue. Por seus trilhos, ladeira abaixo, acima, os cabos de aço entre ele e o céu e a vida toda andando à sua volta. Perdemos um, dois. Mas veio o terceiro e o pegamos. As coisas acontecem quando acontecem. A vida tem o tempo da vida. E, se perdemos um ou outro bonde, logo atrás vem o terceiro, o quarto. Aquele que nosso for, será ele que nos estará. Cada um recebe o seu tanto nesta terra. Sem reclamação, sem perdas, o estado é de gratidão. Foi uma experiência andar em um elétrico de madeira de mais de cem anos. Ver a cidade passando diante dos olhos. Senti-la percorrendo os caminhos no labirinto do inusitado. O chão que nos percorre os pés, é o mesmo que abrigou os passos da melancolia de Cesário Verde. Somos dois poetas a flanar pelo mosaico de azulejos que faz as paredes desta cidade. Cada construção, um desenho diferente. São amarelos com azul, laranjas com verde, azuis com branco, são linhas, flores, desenhos que, se não fossem arte, seriam mapas dos mares. Quantos segredos não morreram nas mãos dos artistas que os pintaram. Quantas vidas não contariam a vida de tantas vidas. Enquanto isso, vou me habituando com a iluminação das ruas. Os postes amarelados dão um tom solar à noite que cai. No subir da lua, vejo uma luz se refletindo na superfície do Tejo. Tenho uma intuição de que foi ele quem me trouxe pra cá. Ele queria meus olhos sobre suas águas. Ele me queria. Meus olhos desaguam no Tejo dos fins da tarde. No barulho de suas correntezas, nos encontramos. Ele também busca o Atlântico. Ele também faz comigo, o amor silencioso das saudades.