Iniciamos nossos passos com joelhos no chão. Descobrimos a vida de mãos espalmadas, engatinhando primeiro para depois aprendermos a viver de pé. Vamos mudando de fases. Descobrindo novos contornos para o mundo. No trajeto, recebemos muitos e muitos nãos. Não pode cuspir, não pode gritar, não pode brincar sem guardar os brinquedos, não pode pular pela janela, não pode achar que pode voar, não pode sonhar muito alto, não pode sonhar muito baixo, não pode sonhar. Vamos, aos poucos, tendo as asinhas podadas. Literalmente. Na escola, dizem, ‘você errou, era pra pintar dentro do quadradinho’. E você vai acreditando que tudo aquilo que você sente, sonha, deseja, tem que ser um desejo engasgado, um sapato apertado, um quadradinho pintado cuja tinta nunca pode escapulir dos contornos daquela forma que tanto lhe conforma. E, de pé, mais longe daquele chão que para nós era um terreno de grande exploração, de mágicas que nos encantavam com suas incógnitas, como uma torneira aberta, o barulho de um papel se rasgando, uma formiguinha passando, tudo isso, tudo, vai se tornando algo comum, sem expressão, sem milagre, sem riso, sem olhar. E o mundo vai se transformando em uma mancha de concreto, uma foto em preto e branco cujas metas precisamos almejar. Seja isso, seja aquilo. Vista isso, vista aquilo. Seja aprovado, ganhe dinheiro, seja rico, seja sarado, seja bem-comportado, inteligente e educado. E são tantos e tantos objetivos a serem alcançados que a vida se torna um rio que vai nos correndo por um outro lado, um lado distante, quase invisível. Até o dia em que acordamos e percebemos que, por termos ficado tanto tempo tendo que pintar o mundo dentro dos quadrados, nós estávamos sufocando aquilo que era o mais bonito dentro de nós: a nossa capacidade de sermos adultos sem perdermos a ingenuidade e a verdade de nossas antigas crianças. E é neste dia, neste despertar, que a vida volta a nos tomar, que nós voltamos a nos achar. Pronto, eu me digo. Agora chega. Ei, criança dentro de mim, vem, sai daí de dentro desse sótão escuro e vem pra cá pra fora brincar com o mundo. Vamos nos reconhecer. Você precisa de mim e eu não sou eu sem você. Feliz dia das crianças!
*texto escrito para o dia das crianças.
*Crédito da Foto: