Andando pelas ruas do Chiado, um bairro central e movimentado de Lisboa, paro na Praça Camões. Praça na qual se localiza ‘A Brasileira’, um charmoso café que há tempos atrás era frequentado por ninguém mais do que o rei dos poetas, Fernando Pessoa. Ali, várias mesinhas na calçada, pessoas sentadas curtindo a tarde que passava. Um quinteto de jazz decide fazer um show praquele público descontraído dos bares, restaurantes e cafés em volta. Decido sentar num degrau para observar. Um casal de pé se abraça para assistir ao pequeno e improvisado concerto. Os milhares de turistas em trânsito, param, olham, seguem. Param, olham, seguem. Outros param e ficam. Sentam. Pedem uma bebida ao garçom. De avental verde, calça e camisa preta, um jovem moreno vem trazendo duas cervejas na bandeja cor de prata. É a vida correndo solta sobre os desenhos tão tradicionais das calçadas de pedras portuguesas. Preto e branco. Basalto e calcário. São peças que se intercalam para escreverem a história de tantos passos. As famosas calçadas, desenhadas pela cidade inteira, me seduzem os olhos para o corpo do chão. No fundo da paisagem, um bonde amarelo passa apinhado de gente. Os milhares de ruídos vão se somando. Pessoas ao celular, japoneses fotografando, alemães conversando, italianos comendo, portugueses de terno tentando passar. São cinco da tarde e a noite resiste a cair. Uma moça de vestido preto com bolinhas brancas decide dançar. Uns tantos pedem informações, direções, onde fica? Bem perto do quinteto, sentado, impassível, lá está ele. Pessoa, em sua pessoa de bronze, ali está sem estar. Sua estátua de pernas cruzadas acolhe, no colo, uma garotinha de uns quatro aninhos. Na fila, outros esperam a menina se cansar do poeta para, com ele, tirarem sua selfie. Mas a menina parece estar encantada com o bigode endurecido de Fernando. Seus cabelos castanhos, encaracolados, roçam-lhe o queixo. Ele segue olhando para o horizonte. Ou talvez seja para o quinteto. Na minha frente, um casal de meia-idade se abraça. Ele chama a mulher para dançar. Vão mais pra frente, para estarem mais próximos da música. Dançam como se a praça fosse deles. Dois sorrisos apaixonados, quase adolescentes, não fosse a idade. “Idade… Idade foi só uma coisa que inventaram para não acreditarmos”, me vem um sussurro, quem sabe pessoano. Com alegria, o casal segue animado, alegrando os corpos dos vivos que veem aquele espetáculo cotidiano. Sentada numa das mesas, uma senhora, em sua cadeira-de-rodas, cabelos quase brancos, absorta nas canções parece tocar sua juventude. E são tantas e tantas modas a desfilarem por meus olhos. Difícil saber se há mesmo alguma moda comum no mundo além da moda pura e simples da vida a viver como se o amanhã não fosse a próxima estação. “Ora, pois, de fato não é”, novamente me sussurra o além: “Neste trem só há uma parada e esta é hoje”, continua. Entendo, entendo, digo eu. Bom, já que assim é, então, tchau. Vou neste bonde porque as luzes amarelas já despertaram, meu coração já dançou assistindo à dança da vida e a noite me trouxe a fome do jantar. Foi um prazer estar com você. Vou pra casa. E até lá.