Hora de Partir

Eu ia atravessar a calçada. Estava olhando pra cima. Pros prédios, pro céu. De repente, algo me puxou o olhar pro chão. Seria a pombinha? Ela, ali, me chamando em seu sono definitivo? Ela ali conversando comigo em esboço de eternidade. Me pedindo em sonho de ave e de restos: “Ei, moça, olha pra minha morte. Dá sentido pra ela. Me veja partindo, voando pra um céu desconhecido, um voo sem asas, sem penas, sem pousos apressados, sem corpo”. E continuava: “Ei, moça, olha pro que eu fui. Olha pros meus passados, pros meus passos, pra tudo aquilo que me fez chegar até aqui, que te fez me ver num passo, quase em falso, que te fez parar pra me olhar”. E ouvindo aquele clamor de uma pombinha silenciosa, agora pelo resto da vida, compadecida, disse-lhe: Calma, pombinha, calma. Todos nós um dia estaremos juntos. Já estamos. Já somos um só voo. Livre de céu, de chão, de vida, de morte. Calma, pombinha, eu te percebo, eu te faço companhia, eu te espero entender deste novo firmamento, dessa nova existência, eu te desenho em texto, eu te imortalizo em mim, em minhas palavras, em meu coração… E de repente, a pombinha que estava ali, que sob meus pés continuava sendo a aparência de um animal ferido, morto, partido, de repente, alçou sonhos, espantou as penas e foi, foi, foi… Lá praquele lugar por onde todos os nossos pés, sem pisar, um dia ainda andarão.

 

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