Seu interfone toca.
Quem é?
É 2018.
Você: 2018? Mas eu ainda nem passei de 2010?!
E o 2018: Por isso mesmo é que eu estou aqui. Pra te dizer que ficar presa naquele ano não vai te fazer chegar até mim. Notei que você estava com dificuldades. Notei seus sapatos apertados, seu semblante triste e vim te buscar.
Você: Mas, espera, eu não estou pronta. Ainda faltam alguns anos, uma década, toda a minha vida, não sei, não sei como sair de 2010.
E 2018: Mas eu sei. Vindo pra mim. Entendendo que sou eu quem estou à sua porta. Que o 2010 não te quis. Que ele foi uma experiência, uma vivência, mas acabou, tem que acabar, tem que passar. Aliás, você tem que deixar ele ir, ou você acha que o passado também não precisa de descanso?
E você, surpresa, sem saber o que fazer, na sua resistência de sempre: Não, não posso. Ele foi importante. Me machucou, eu sofri, mas não posso deixar ele ir. Ele foi um canalha, me maltratou, me lacrimejou, me surtou, só que, no fundo, eu gosto dele, me acostumei a ele, sei lá, sabe quando a gente não sabe como deixar uma coisa acabar?
E 2018: Eu sei, sei como é isso. Eu mesmo vivi dois anos preso no 2002. Depois mais 4 no 2006. E mais seis meses no 2014. Mas chega. Eu andei. Precisei. Sei como você se sente. A gente se acostuma com o passado. Se encontra nele. Se identifica no seu ressentimento e, um dia, acordamos, vamos até o espelho, e não é mais a nossa face que está ali, diante de nós. Não, é ele, o passado, nos dizendo que nós somos apenas o que ele nos deixou ser, que não podemos mudar, que não podemos deixá-lo passar. Mas, por experiência, eu te digo: podemos! Aliás, devemos! O passado é um mofo que teima em se agarrar em nós porque nós o nutrimos, nós o alimentamos. Até o dia em que não sabemos mais onde nos perdemos, onde deixamos que ele nos moldasse. É quase como se ele fosse agora o nosso senhor e nos ditasse os passos, que, aliás, ficam se repisando naquela eterna ladainha da repetição. Eu sei como é.
E você: Ai, eu quero, sabe, eu quero partir pra você, ir ao seu abraço, mas, de verdade, não sei como, acho que pisei tanto tempo o mesmo passo que, sei lá, não sei mais como andar pra frente, não sei mais se tenho como voltar a ser o que era, me recuperar, entende?
2018: Claro que entendo. Uma vez, eu fiquei tão preso no 2006, que quase esqueci que eu era o 2018. Saía pra rua cumprimentando os outros assim: Olá, prazer, 2006. Depois, só depois, é que eu chegava em casa e me dizia, espera, eu sou o 2018, 2018. E era uma luta. Ele querendo me convencer que eu o era, eu tentando provar pra ele que eu era eu. Essa disputa entre aquele eu falso e o nosso autêntico. Sim, muitas vezes perdi a batalha. Muitas vezes ele me derrotou. Não pense você que será fácil deixar de ser o que por muitos anos você acreditou ser. Não. Esses anos do passado são igual mancha de tomate em roupa branca. Custa a sair. Mas temos que ter um foco. Decisão. Saber que é um passinho, outro passinho e muitas mãos de paciência. E que, sim, alguns dias, teremos uma regressão. E ok, você é humana. Precisa entender que cair é parte do caminhar. Só que precisa saber ser mais forte do que aquilo que te prende, precisa saber que lutar é mais se levantar do que cair. Então, vamos embora, desce aí, tô te esperando.
Você: Mas eu nem tomei banho, estou toda desarrumada, não posso sair assim.
2018: Pode, claro que pode. Saia como estiver, não espere ficar impecável para colocar-se a andar. Saia descalça, aliás, deixe as roupas todas para trás. Nada disso importa. O que importa é que você venha, venha ao meu encontro. Te prometo um novo reencontro. Com você. Venha, seu outro você, aquele de antes, cheio de força, de sonhos e de liberdade, está aqui comigo te esperando. Anda, ele e eu precisamos que você acredite na grandeza da sua alma!
*Crédito da foto: NordWood Themes.