Sem coragem para terminar

Em par, dançamos juntos os passos esgarçados daquela velha história. Foram alguns anos, na sabedoria ignorante de que não nos amávamos. Foram tantas as memórias de lembranças ruins, que não sabíamos mais como nos desatar dos capítulos de nossa novela, dos muros, das quedas, das intrigas e lutas. Viramos uma disputa entre duas pessoas subtraídas que deveriam somar uma relação. Eu era sim, você não. Eu A, você Z. Deste modo seguimos, cozinhando os frangos, queimando alguns arrozes, fazendo as compras e as viagens sem deixar que os sorrisos sem brilho borrassem a alegria fake de nossas fotos no instagram. Éramos duas pessoas em busca de um amor que não achávamos um no outro. Talvez, um dia, lá atrás, já houvessémos sido tudo aquilo que sonhávamos. Talvez, um final de semana, há muito, já houvéssemos sonhado juntos a mesma página de um amor. Mas hoje, o dia nublado, as nuvens carregadas das águas que deveríamos desaguar, e nada da chuva escorrer. Os sentimentos e o orgulho segurados com a potência de uma ira. Somos um tigre enjaulado cansados de sermos um tigre enjaulado, mas sem qualquer força para nos agarrarmos a esperança de um dia não sermos mais um tigre enjaulado cansado de ser um tigre enjaulado. E quando algum de nós dois tiver a coragem, a insanidade, o atrevimento, de avistar um flash de felicidade no horizonte e se atirar ao mar, o outro, o que ficar, talvez chore de abandono, ou, quem sabe, grite de uma alegria desesperada por alguém ter tomado esta decisão antes da morte. Até lá, vamos seguir por aqui mesmo, o apartamento de dois quartos, o carro na garagem, as conversas sobre o tempo, o trabalho e tudo o que houver de mais enfadonho em nossas vidas. Até lá, seguiremos sentados sobre nossos desejos sufocados. De partida.

 

Crédito da foto:  Nicholas Gercken.

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