Ele saía de uma peixaria, ela de uma casa de algas. Se esbarraram. Foi amor à primeira vista. Ele escondeu o saco de peixes nas costas. Ela viu, e fingiu não ver. Ele sorriu disfarçando os caninos. Ela viu, e fingiu não ver. Ela puxou o rabo de peixe pra dentro da saia. Ele viu, e fingiu não ver. Saíram algumas vezes. As unhas dele que ela via sem ver eram bem afiadas. A voz de sereia que ele ouvia e não ouvia, era bem encantada. E foram pra cama. Ele achou melhor apagar a luz. Ela também. Ele usou loção para mascarar seu odor de cão. Não queria que ela sentisse sua murrinha. Ela sentiu, mas fingiu que não. Ela usou perfume pra camuflar seu odor de peixe. Não queria que ele sentisse seu cheiro de mar. Ele sentiu, mas fingiu que não. Na cama, os toques diziam o que os olhos não viam. Na hora do gozo, ele tentou segurar o uivo. Não conseguiu. Ela ouviu, e novamente fingiu. Casaram-se em Las Vegas. Uma cerimônia íntima, só os dois. Evitaram explicações às famílias. Nunca mencionaram o que eram. Nem o que não eram. Ele vivia feliz com sua loba de rabo de peixe. Ela, feliz, com seu sereio de afiados caninos. No escuro do amor, o que os olhos não veem o coração só sente.