Ai, esses dias de tédio. O que seria de mim sem eles? Não sei. Sei que eles me caem de vez em quando. E até me servem. Às vezes. Nem sempre. Mas hoje, apesar de extremamente entediada, me pergunto: por quê? O tédio é um dia inteiro com o ponteiro parado. O mesmo lugar no mesmo lugar. E ainda que a noite caia e que a vida viva, o tédio persiste. Entediante. Então, é isso. Esse texto é puro tédio. É o tédio se descrevendo. Não foi o mundo que perdeu a cor. O mundo continua do mesmo jeito. Graças a Deus o mundo existe sem qualquer tédio. O mundo não sabe nada do mesmo. No mundo não há mesmices. Isso é coisa pra humanos. Exclusivamente. Coisa pra nações e sociedades e culturas. Aliás, meu tédio é exatamente por isso. Estou cansada de estar atada. Entediada com essas relações não naturais que construímos para nos prender. A vida não se prende a nada. Mas, para lutarmos contra isso – ou tentarmos – lutamos contra nossa naturalidade irrepetível e mundana. Criamos as rotinas, as etiquetas e o tempo. Tudo marcadinho. Todos dentro do limite limitador de seus papéis. Meu tédio é isso. Ter que viver entediada por esses controles. Parada na mesmice que só muda para não mudar nada. Anteontem, lutavam pela liberdade dos negros. Ontem lutavam pela igualdade de sexos. Hoje lutam pela liberação do casamento gay. Amanhã inventarão alguma outra coisa para lutar. E a luta é o grito a gritar: isso tudo porque o homem não quer aceitar que é tudo a mesma coisa, que o homem é tudo o mesmo homem, cheio de desejos distintos, cheios de diferenças mesmas. É de uma mesmice tão sem tamanho. Todos lutando para serem aceitos. Mas ninguém querendo aceitar ninguém. Ah, se o humano soubesse ser como o mundo: simples. E tão lindo porque complexo. Ah, se o humano soubesse viver como o mundo: cada elemento vivendo em si. E eu me comporto. Tiro boas notas. Limpo o sapato no tapete antes de entrar em casa. Não sento de perna aberta. Não arroto na mesa. Não peido na frente dos outros. Meu tédio é essa atitude de esconderijos. Essas amarras que servem só pra mostrar que somos superiores a qualquer animal. Que somos superiores aos outros animais humanos. Mas um animal de verdade não se entedia da vida. Não. Isso é coisa pra animais humanos como eu. Porque a única coleira que um animal usou na vida lhe foi colocada por um homem. Tédio. Meu tédio é contra esse tipo de vida entediante que fica inventando coisas, obrigações sem sentido… Tudo pra fingir que a morte não existe. Tudo para fingir que todas essas bobagens não vão impedir ninguém de partir, de deixar de ser. E o pior é perceber que perdemos tanto tempo nesse tédio humanizante que nem sabemos dizer quantos tons de azul há no céu de apenas um dia. E nem quantas vezes as nuvens mudaram, mudam e ainda mudarão de lugar.