Entrei com um soluço algemado, preso perpétuo vazando um todo de sentimento que não sabe o que sente. Um todo de sentimento, uma inquietação mínima que só você percebeu. Você me percebeu antes de mim e me perguntou o que acontecia comigo? O que acontecia comigo? Você sabia. Você sempre soube mais de mim. Quando eu procurava as chaves, você me as apontava na bolsa. Quando eu buscava o pote de manteiga na geladeira, você me vinha de faca na mão. Você sempre me achou. Na gaveta da cômoda, na cadeira do escritório, ao lado da almofada atada ao controle remoto. Eu perdia o controle e você me achava, me baixava o volume, me mudava o canal… Como? Com que livro de receitas você me tirava as medidas? Com que réguas você me provava? Desde o início, bastava um suspiro mais lento, um girar de maçaneta e você me sabia. Eu… Eu que sempre procurei o amor em todos os amores; que sempre busquei pessoas na cara do amor. Eu que tinha uma tanta vontade de amar que amava, sem saber a quem, sem saber a que… Eu não sabia como amar até você. Foi exagero, rastro, gesto. O amor me esteve como nunca antes em rosto algum. E, ao me encontrar um nó, descabelada por dentro, um borrão, você me pôs a mão no ombro e me disse com voz de pólvora: Chora. Pode chorar porque eu estou aqui. Eu fui implosão: entulho num choro desabado no seu colo. O seu colo que se encharcava das minhas águas, que me limpava das minhas águas. Nos seus olhos que me olharam o fundo, que me viram os vales, eu me virei do avesso e te assinalei, entre nós, um denominador comum. O amor, no seu rosto, me olhava numérico, periódico e sem fim… Sem fim seu amor me enxergava cúmplice. Cúmplice da minha vista embaçada vermelha-molhada. Cúmplice da nossa paisagem de imensidão. Você me tinha dentro do seu sentimento, da sua carne, do seu dentro… Eu me alojei naquele dia e naqueles tantos outros seguintes. Eu me encarnei naquele dia porque toquei no carnal do seu plano, no carnal da sua percepção de mim. Na sua presença sólida, minha solitude estava liquidada. Solidamente liquidada.