O meu querer é filho sem pais… Personifica minha poesia e me enrosca as pernas com suas vírgulas. Meu querer é a caixinha de sapato onde dorme o mais interessado dos interesses, o amor. Ah, esse amor… Negócio tão vantajoso que até na falência se lucra. Mas é difícil decodificá-lo. Amar é tão convencional, mas o amor, não. O amor é o que me faz perder noites tentando sintetizá-lo. O amor é o que me faz roubar, como um lobo-mau, os doces das palavras cristalizadas nos vocabulários dos outros, esses bosques densos…
O amor é o culpado. É nele que eu marco a minha assiduidade. É por causa dele que a minha boca é assim. Sedenta por tragar expressões dos lábios alheios e sussurrá-las em seus fonemas. Mas tem outra coisa tão árdua quanto o segredo do amor, que é converter em texto a beleza indescritível do mundo… Caberia numa frase toda a alegria de um céu azul? Esse mesmo azul limpo que encanta os dias de sol, muito mais felizes que os brancos sujos da chuva cinza…
Ah, na infância… No tempo em que se tomava café-com-leite em canequinhas de metal. Tudo era mais fácil. Dispensava-se a inquisição e queimava-se na fogueira do esquecimento toda a necessidade de nexo, de pontes. Tudo era apenas prazer. Cinta-liga desconhecida. Mas, hoje, mal consigo voltar no tempo da memória e descobrir onde enterrei aquele osso para a hora da fome. Essa fome de desvendar o que está por trás do descoberto, do nu. Essa fome que me faz sentar à mesa e encarar seu lugar vazio com um copo cheio de perguntas.
Eu não quero mais ser como a bailarina da caixinha de joias que guarda, só, os maiores tesouros do mundo, cumprindo sua função pública de rodopiar sobre a melodia triste… É como dizem: culpa dá câncer. E eu não aceito novos caroços brotando de dentro e mim… Hoje, peço-lhe: Largue seu dia de trabalho e venha passar o frio comigo. Se só posso lhe dar o que me transborda, já tem amor molhando o chão… Esse mesmo amor que explode as minas dos meus textos nos solos vizinhos e que também me assombra com um sentimento… Uma última interrogação que se prolonga no espaço:
– Então, é verdade que onde cabem perguntas cabem estrelas?