Cubro meus pés e me visto de meias. Porque meus pés são as raízes que me fincam a terra e precisam se sentir cobertos. São as partes que me prendem ao solo, que me fazem andar por atrito, que me movimentam… Meus pés me cobrem. Meus pés me encaminham. Meus pés me sustentam com seus troncos e folhas. Meus pés me partem e me partindo caminham. Me põem à frente de todo o mundo, de tudo, me levam pelos vendavais constantes da vida e me fazem perder o que vale a pena ser perdido e deixar pra trás o que não vale a pena ser tido. Eu quero meus pés como quem quer o bem, como quem quer o calor num dia frio, como quem quer seguir fora dos trilhos… Eu sou meus pés porque eles me são, me dão todas as trilhas, asfaltos, buracos. Meus pés são meus dons, meus chãos, meus grãos. São minhas sapatilhas que tantas coreografias conhecem, que tantos passos pra trás já deram, que me empurraram pra frente… Meus pés são retos, chatos, curvas. Meus pés são patins, rodas, calos. Meus pés me são e, assim, são a vida que vence todos os medos.
Ao me empurrarem pra frente, meus pés são a vida. E a vida vence todos os medos.