Foi no dia em que resolveu limpar o aquário que a encontrou. ‘Não é possível! Como pode?’ Sim, era verdade. Ao lado dos peixinhos dourados ali estava ela: a sereia. Cabia na palma da mão. Mas não respirava muito tempo fora d’água. Tirou-a do aquário e passou-a a um copo lagoinha. Deixou-a dormindo na mesa de cabeceira, ao lado da cama. Num dia de calor, quase a matou. Com sono, bebeu a água do copo e, sentindo alguma coisa a se debater na boca, cuspiu-a de volta ao mundo. Apaixonou-se por ela. Admirava-a toda noite. Vendo que crescia, trocou-a de copo. Foi a um copo de chopp, a uma caneca, a um vidro de palmito. Crescia mais rápido que as horas. Acabou colocando-a na banheira. Cresceu demais. Não tinha outro jeito, era a piscina ou o mar. Preferiu a piscina. A sereia cantava. De dentro d’água, aquela melodia saía salgada. As lágrimas da sereia saíam molhadas de saudades… Ela era um ser amado pelo homem que a amava metade como homem, metade como peixe. E a sereia, pela primeira vez falou: ‘Será que um dia você me levaria de volta ao mar?’ Mas o amor do homem era tanto que ele decidiu ficar mais um pouco com a sereia. Ele sabia que, uma vez no oceano, ela desapareceria. Até que ela caiu doente. Não teve outro jeito. Numa noite de lua cheia, o homem a botou no carro e a levou até a primeira onda. A sereia acordou. Olhou para o homem e partiu. Ao voltar pra casa, o homem esvaziou a piscina. Não aguentava aquela lembrança. Mais de dois anos passados, ele foi fazer um curso de mergulho. Mergulhou fundo e nunca mais voltou. Nas profundezas do mar, preso numa bolha de ar, a sereia dizia a seu povo: ‘Olhem bem pra esse ser. Esse homem tem um amor imenso… Tão imenso que me manteve em cativeiro por mais tempo do que qualquer amor poderia sobreviver. Humano idiota! E, no fundo do mar, numa redoma de vidro, o homem serviu de exemplo aos pequenos sereinhos que, desde cedo, aprendiam sobre o mal-estar de um humano amar.