Quando eu fiz treze anos corri de lá. Nada me faria voltar praquele lugar. Era o inferno, aquela mulher. Palavra. O marido, coitado, nunca soube. Ela me fazia sofrer. Pegava a palavra do garfo e me furava o garfar na pele. Eu ficava toda marcada, reticências que não acabavam mais. Eu era que nem uma escrava. Eu não sabia lutar. Era bicho acuado. Ela me batia com os verbos na cabeça. Batiam duros, feito colher de pau. Uma tarde, pegou a palavra cinto e deu uns números nas minhas costas. Foi uma equação de poucas letras. Me lanharam tanto… Tenho as cicatrizes, depois te mostro. A mulher era o diabo. Pior. O marido nunca soube. Sabia que ela me batia. Toda mãe bate. Ainda mais adotiva. Pra que me adotou se não sabia soletrar o amor? Me batia por qualquer frase. Me sentava a palavra na mão, na cara. Batia numa fala sem dois pontos. Numa escrita sem vírgula. Tudo nela saía sem ponto final. Ela não tinha dó. E eu só tinha interrogações: por que ela gostava tanto de me machucar? Me jogou tudo quanto é palavra afiada em cima, me queimou com a inexistência dos verbos em brasa. Nada segurava a maldade no dicionário daquela mulher. Até que eu disse pra mim: vou fugir. E fui. Vim pra cá me reescrever. Arrumei um emprego num hotel. Lavava e passava até a mão sangrar. Mas era melhor assim. Tudo era melhor que aquele sangue espirrado nas palavras de quem, sem palavras, deveria me ensinar a soletrar o amar.