Quando se trata de dividir adotamos posições bem antagônicas. Se a divisão for de coisas, principalmente de dinheiro, somos naturalmente egoístas. Revendo minha infância, lembro-me de mamãe dizendo: Filhinha, empresta seu brinquedinho, quem não divide não tem amigos. E com essa coação moral, eu emprestava meu ursinho com um bico desse tamanho na cara. Com certeza você deve ter vivido uma cena parecida. Ou talvez eu esteja enganada e você seja um daqueles que preferem dividir o prêmio da mega-sena com outros cinquenta mil apostadores. Vai saber…
Adultos, adquirimos novos hábitos e novos brinquedinhos. Compramos imóveis, carros, roupas, homens, mulheres e até amigos. E contrariando toda aquela “boa educação” imposta por nossos pais, gastamos tudo sem querer dividir um vintém sequer. Seguimos, fielmente, a regra capitalista do acúmulo. Lutamos pela divisão das terras dos outros – para não parecermos tão mesquinhos-, mas não queremos ceder nossos apartamentos de sobra para ninguém morar…
Mas, e quando a divisão diz respeito aos nossos momentos?! Ah, aí nos transformamos. Tornamo-nos as pessoas mais generosas. Aliás, até demais. Somos praticamente reféns de nossa necessidade de companhia. Qualquer momento só é válido se compartilhado, facebook e instagram estão aí para provar…
Bons ou ruins, os momentos parecem depender de gente por perto para nos serem sentidos, para nos serem vividos. Ora, quem em sã consciência recusaria um parceiro para compartilhar aquele pôr-do-sol, aquela cena engraçada, aquele dia maldito em que nos perdemos naquela trilha?!
Desacompanhada, a vida nos soa vazia. Vida boa mesmo é vida compartilhada. Já basta nascermos e morrermos sós, certo? Não sei. Não sei, porque exatamente na hora em que enchemos nossos copos para brindarmos nossa viagem em grupo para Fernando de Noronha, eis que entra no restaurante um homem bonito e, acreditem, inteiramente só. Ele estava só e não estava à procura de ninguém. Ele estava só e não tentava se enturmar, puxar papo. Ele estava só e nem parecia se dar conta de que estava sem companhia. E foi só que ele permaneceu, por uma semana, naquela ilha. Ele, sua cadeira de praia e sua vida. De longe, observávamos aquele ser esquisito. Ele entrava no mar e conversava consigo. Ele estava com ele e, por sinal, muito bem acompanhado. Que incógnita – para não dizer que inveja! Nós, o grupo, os acompanhados, diante daquele ser incomum, especulávamos: Seria um fugitivo? Um perdido? Um doido que foi e não voltou de uma viagem de ácido? Nada disso. Ele era apenas uma dessas raras pessoas muito evoluídas que sabem viver bem só. Se houver companhia, eles não reclamam; se não, eles sobrevivem, ou melhor, se vivem.
E foi ali, naquela pessoa-ilha, sozinha em sua autossuficiência, que eu aprendi que, às vezes, é necessário inverter a ordem dos fatores: sermos mais generosos com nosso dinheiro e mais egoístas com nossos momentos. Pois nossos momentos a sós também fazem a “nossa” vida.
Naquele homem-ínsula, entendi que é muito bom gostar de gente. Mas fundamental mesmo é, antes de tudo, aprendermos a gostar mais da companhia da gente.