Era uma vez duas irmãs gêmeas: a Alma e a Beleza. Não eram idênticas, aliás, não poderiam ser mais diferentes. A Beleza, como toda que se preze, era linda. Maravilhosa, sugava olhares por onde caminhava. Já a Alma, apesar de não ser bela, era boa que só… Uma bondade tão transcendente que nem parecia desse mundo… Foram criadas juntas. A Beleza, num primeiro olhar, a todos encantava; a Alma levava algum tempo… Com o passar dos anos as duas foram crescendo. E as coisas foram ficando claras. A Beleza, percebendo seu poder de encantamento, usava. A alma, sem qualquer artifício, doava. Um dia, eis que aparece na porta da casa da família um Príncipe. O Oráculo do reino havia lhe dito que naquele lar ele encontraria sua futura esposa. Ao chegar, surpreendeu-se. Qual das duas? É claro que, num primeiro olhar, ele gostaria que fosse a Beleza. Mas, respeitoso que era às previsões, decidiu que levaria ambas ao seu castelo para que, após um tempo, a adivinhação se esclarecesse e ele se casasse com a mais digna à coroa. Durante a estadia no reino, a Beleza infernizou a vida da Alma. Às escondidas, trapaceava. Trancava Alma no quarto e dizia ao Príncipe que aquela não desceria para jantar pois se encontrava indisposta. Assim, a Beleza foi se infiltrando, pelos olhos, no coração do Príncipe. A cada dia que passava, Alma ficava mais distante do trono e a Beleza mais perto. Alma nunca tivera uma chance de passar um tempo a sós com o Príncipe e, quando perto da Beleza, quase que desaparecia. Os olhos do Príncipe eram tomados pelo encanto da Beleza, enquanto que o encanto da Alma escondia-se. Longe do possível marido, a Beleza diminuía a irmã. Dizia-lhe que homem algum estaria à procura de uma imagem como aquela. Alma se defendia dizendo que a Beleza é passageira, ao passo que a Alma é eterna. A Beleza desdenhava da esperança da Alma enquanto esta, pacientemente, pedia-lhe que esperasse, pois só o tempo confirmaria as palavras do Oráculo. Uma tarde, a Beleza mentiu à Alma dizendo-lhe que o Príncipe havia se declarado apaixonado por ela. Disse à irmã que partisse e lhe deixasse viver aquele amor, afinal, naquele romance só cabia uma beleza. Desolada, Alma parte e se perde pelo bosque. O Príncipe, ao contrário do que supunha a Beleza, foi atrás dela. Ao encontrá-la desfalecida, pega-a nos braços e a leva de volta ao castelo. No retorno, pela primeira vez sozinho com aquela boa Alma, pôde perceber sua inacreditável beleza. Era um encanto que estava acima dos olhos. A visão não era suficiente para aguentar aquela luz que enternecia o coração. Ainda confuso, o Príncipe decidiu esperar mais alguns anos para tomar sua decisão. Meses se passaram sem que a indecisão entre os olhos e o coração se resolvesse. Até que, numa manhã, durante o café, o Príncipe deu bom-dia à Beleza sem o mesmo encantamento. Seus olhos se acostumaram com aquela harmonia. A Beleza continuava tão bela quanto antes, mas já não o encantava da mesma forma. Simultaneamente, a formosura da Alma resplandecia a cada virada do sol. Até que, sem mais hesitação, o coração do Príncipe foi arrebatado pela Alma e com ela este se casou. A Beleza, indignada voltou para casa e ali se fechou ao mundo. Trinta anos mais tarde, bate à porta do castelo uma senhora. O Príncipe a reconheceu pelo olhar. Não era mais aquela Beleza de antes. O tempo tomou-lhe o brilho. Mandou aos súditos que cuidassem daquela Beleza acabada e que lhe providenciassem uma morada confortável longe da felicidade de seu casamento. Quando Alma perguntou ao marido quem era a tal mulher, ele lhe respondeu: – Uma beleza sem alma, querida… Apenas uma beleza sem alma…”