Quando alguém muito próximo morre e a gente volta para casa… Temos que pensar no que faremos com as coisas sem uso de quem nunca mais voltará a usá-las.
Quando meu pai morreu, minha mãe tratou de dar tudo dele no dia seguinte. A única coisa que ela deixou foi uma camisa azul de botão que ela gostava de vê-lo usando, um casaco de couro, as cartas de amor que até hoje ela lê e faz questão de nos mostrar e as fotos. Todo o resto, até as coisas que nós, os filhos, poderíamos usufruir mais tarde, ela deu. Deu a bicicleta, deu a Nikon profissional, deu o violão e deu a coisa que pra mim seria a grande lembrança da vida: a máquina de escrever. Ah, até hoje eu lamento minha mãe ter dado aquele aparelhinho branco, pequeno, que seria o meu souvenir afetivo com aquelas teclas de hastes de metal, aqueles dois rolos de tinta, metade preto metade vermelho, que sujava as pontas dos dedos na hora de colocá-los na máquina. A máquina era o lugar de meu pai na casa. Era aquele barulhinho irritante e doce – tá tá tá tá tá tá…. Morro de saudades do som que faziam aquelas teclas. Esse som foi o pano de fundo, a trilha sonora da minha infância. Ali, estavam todas as palavras que saíam do pensamento de meu pai e iam para o jornalzinho da cidade no qual ele era colaborador.
Quando perguntei para minha mãe – apaixonadíssima por meu pai que era – por que ela deu tudo, ao contrário de muita gente que mantém todas as coisas dos idos, todas as lembranças intactas por perto, como se um dia a pessoa fosse retornar, minha mãe, grande sábia da vida, simplesmente me disse: Ah, para que eu iria guardar tudo aquilo?! Era ele quem dava vida àquelas coisas. Se ele não estava, elas não estavam. E se elas não estavam é porque partiram e, assim, deveriam partir também, junto com ele.