Dentro de um mapa não chove
Não faz frio, geada ou se sua
dentro de um mapa só vive
a ideia da vida
de um território
(acho que foi em Borges
que eu tive essa ideia)
Dentro de um mapa não chove
um mapa é sem capa
sem galochas
sem arrepios na pele
E eu não gosto de dispensar nada
Dentro de um mapa não chove
as flores, sem perfume
as topadas, sem dor
nem o canto de uma gaivota
me pedindo comida na margem do rio Douro
se ouve
Dentro de um mapa não chove
nem há o cinza invernal
do horizonte daquela árvore
raquítica
ali, logo ali adiante, tá vendo?
Dentro de um mapa não chove
e a vida é uma coisa só
feita toda ela de mesmos
e de ruas que nunca se perdem
pelos caminhos distraídos
de uma conversa boba
Dentro de um mapa não chove
por isso eu fujo dos mapas
preciso das esquinas perdidas
dos becos sem nomes
das placas pichadas sobre as calçadas
dos pedintes
Dentro de um mapa não chove
sem chuva meu coração não cresce
fica lá, enterrado na terra do peito,
ansiando o tempo da vida brotar
Dentro de um mapa não chove
por isso eu não me dobro
aos mapas
Neles há muitas proteções
e a vida real, mesmo, fica toda
desprotegida
Dentro dos mapas não chove
Não chove
Não chove
*Crédito da foto: Julentto Cluak.