Ei, você, gostaria de lhe agradecer. A você que me xingou, que me amou, que me ensinou. A você que me leu, que me escreveu, que sequer chegar a me conhecer, chegou. Ei, você, que está longe, muito perto, debaixo do meu cafuné. Você que vive dentro de mim, que é espírito, ou lembrança partida, ou memória ainda por vir, sonho a me reencontrar. Gostaria, de verdade, de lhe agradecer. Mas não um agradecimento bobo, casual, desses de quem realiza uma gentileza sem olhar nos olhos. Não, este, não. Gostaria de lhe agradecer de coração, com aquele gesto profundo de gratidão. Eu sei, sua vida foi difícil, foi leve, pesada, ingrata, maravilhosa, uma montanha-russa, fervor, sossego, andarilha, ardor. Não importa o que você tenha vivido, por onde tenha estado, se achado ou perdido. Não importa se chegamos a cruzar-nos os caminhos ou se fomos apenas dois gestos idênticos em continentes desconhecidos. O que importa é que eu te conheço, porque você mora dentro de mim. Eu sei o que é ser humano e sei o que é estar vivo. Eu sei das gangorras, dos pingos de chuva, do cheiro da grama molhada. Eu sei das areias, da maresia e do som dos rios. Eu sei das espumas das ondas, dos amores partidos e recomeçados, das angústias, das alegrias, das lágrimas, dos beijos, das bocas, dos silêncios, das perdas que guardamos, das mágoas e dos perdões, dos lutos, dos sofrimentos transformados em palavras de ódio, dos abraços da ternura. Mais do que você pensa, eu o conheço. Somos muito próximos, nascemos um do outro. Somos uma mesma carne, compartilhada em muitos corpos. Cada um com seu cada, mas todos na mesma essência, vivendo o tempo da ferrugem, dos ossos, dos risos, dos cílios. Eu e você somos homens e mulheres e crianças e adolescentes e seremos velhos. E depois seremos outras e outras transições porque somos todos um mundo de combinações. Ei, você, escute, amigo, amiga, primo, tia, avó, mãe, filho de nome desaparecido. Em todas as línguas que você mora, eu habito. Eu falo o seu idioma hebraico, turco, árabe, cristão. Eu falo as palavras da alma que moram dentro de toda imensidão. Receba-me. Olha aí, me busque, me ache, me visite em pensamento ou meditação, eu estou em você. Parece que não, mas sim. Você também está em mim. Então, aceite esse pedido de agradecimento. Estamos aqui, esta vida breve, esta terra cheio de milagres, de dores, de espantos. Estamos aqui para não estarmos e para sermos apenas um enquanto. Viemos à vida para sabermos que não estamos sós. Você se sente só? Não se sinta. Eu estou aí com você porque você está em mim. Somos todos assim. Posso lhe tocar dentro do que sou. Posso conhecê-lo poque me conheço. O decifro quando falo. O explico quando sinto. Eu o vivo porque vivo. É simples. Parece complicado? Não é. Basta fechar os olhos. Sente meus dedos? Eles são os seus. Estamos entrelaçados. Somos um só. Não se desespere nas horas carregadas. Nem desista nos dias de tempestades torrenciais. É tudo parte do rio. Gelo, água, vapor, chuva, mar, tudo um bando de nomes para dizer uma mesma coisa, assim como nós, que temos denominações diferentes, mas, no fundo, navegamos no mesmo barco e pousaremos no mesmo cais. Ei, você, tá aí? Então, obrigada, viu? Estou apenas passando por aqui. Fim de ano, você sabe como é, ficamos mais tocados, sentimentais. Somos assim. Humanos e essenciais. E é isso. Obrigada. De verdade. Obrigada por me ler. Obrigada por fazer parte do meu viver. Obrigada por ser você e por isso também me ser.
Crédito da Foto: Morvanic Lee.