A gente pode morrer de atropelamento, de bala perdida, de câncer, de tanto fumar, de tanto beber, de tanto comer o que não deve ou de comer quem não devia sem proteção… Há mil maneiras de se morrer, mas há uma pela qual não se morre nem quando se quer: por amor. Ninguém morre de amor. Ele pode até nos levar a pular de pontes, mas a morte será por conta da queda, não por conta dele. E isso só acontece porque o amor é sábio. Escolado. Ele sabe até onde pode nos esfolar, até onde nos fura sem nos tirar a vida. Tem horas em que preferiríamos. Imploramos: vai, me tira logo desse mundo. Mas o amor é tão bom anjo, quanto ótimo carrasco. Suas chicotadas ardem, seus punhos deslocam órgãos do lugar, se é que não os arrancam, mas seus estragos são calculados. Milimetricamente calculados.
Amar é a melhor coisa do mundo, e também a pior. Um amor não correspondido é pura melancolia, é lágrima sólida como um cisto que se instala grande no meio da garganta impedindo que o ar entre e que a nossa dor saia.
Amar e não ser amado é tomar choques que nos param o coração, mas nunca o pensamento. Já tiveram épocas em que eu quis morrer de amor. Mas o amor não me deixou. Judiou, tirou-me o brio e a sensatez da alma. Foram choros e noites emendadas em dias. Foi falta, muita falta. E nada nesse mundo toma esse vazio. Ninguém, senão o ser amado, enche o copo vazio que o amor nos deixa sobre a mesa.
Amar é muito mais fácil de aprender que desamar. Desamar é tirar o que achávamos ser fixo, uma parte de nós: não era. Era só usucapião… Um posseiro que se instalou nas terras do nosso peito, colheu-nos os frutos, fez o melhor dos sucos e, depois de tomá-lo inteiro, nos deixou as cascas cheias de farpas que engolimos azedas na esperança de uma última gota.
A gente pode não sair da vida depois de um amor, mas a vida, com certeza, sai da gente. Vazando por todos os poros. Tanto que, na falta de forças, sobrevivemos só com a parte de fora do corpo. De tão ausentes por dentro, enegrecemos por debaixo dos olhos em fundas olheiras. Em um luto que nos faz chorar feito bebês famintos por aquela morte que não morreu dentro de nós, pingamos tudo o que tínhamos no chão das memórias. Até que, de tão vazios, nos abrimos novos espaços. É, aí, que nos preenchemos. E alguém sabe com o quê?! Isso mesmo. Adoramos tanto umas palmadas que, graças a Deus, nos entupimos novamente com o recheio do amor…
Aos que perderam um membro amado, minhas condolências. Sei que esse luto, se não for o mais demorado, é, com certeza, um dos mais dolorosos. Mas, graças aos comprimidinhos dos dias que tomamos diariamente, isso passa. Latejando forte como toda boa dor… mas passa.