Quando lancei meu primeiro livro, eu estava no meio da minha terceira faculdade, a mais esperada e estimada. Depois de me formar em Comunicação Social, passar 4 anos no Direito, fazer Letras foi, finalmente, um encontro comigo. E foi assim que lá, eu, de certa forma, me realizei. E digo de “certa forma” porque no fundo nada que nos seja externo é mesmo capaz de nos realizar. E foi assim que, aspirante à escritora, eu mostrei meus manuscritos a alguns professores. É muito interessante essa coisa da aprovação. No início, a gente fica tão precisante de uma palavra, de um aval, sei lá, uma insegurança que nos faz depender de um “selo de qualidade”. Recebi os feedbacks. Uns meio que só pra constar. Outros na linha do ‘bom,bom’ e, finalmente, um, vindo daquela professora super-prafrentex, a mais admirada. Foi algo como “isso aí, menina, acertou em cheio! Adorei!”. Pronto, aquilo me bastou. Quer dizer, ainda precisei e preciso, às vezes, de um empurrãozinho. Não chega a ser insegurança em relação ao meu trabalho, apenas uma espécie de incentivo que todos nós, nos dias nubladinhos, aceitamos de bom grado.
Aí, eis que pari meu primeiro filho de papel. Poços dos Desejos. Um derramamento poético, poesia em prosa, paixão, fogo, rouquidão. Amar aos 24 anos era exatamente aquilo. O desenfreio da descoberta. O amor em cheio, na transborda, além de tudo o que era finito. E como era bom amar assim. Sofrido também. Hoje não repetiria. Mas ontem, o beberia como se fosse a própria vida. Pois era.
Depois, os saraus, as declamações, os eventos, os jornais, as entrevistas, os lançamentos, as palestras. Alguns anos depois, acabei dando aulas na Faculdade de Letras da Federal de Minas, a mesma na qual eu havia me formado. Foi ótimo. Numa dessas circunstâncias, num auditório, alguém me perguntou qual era o meu intuito com o Poços dos Desejos. Sinceramente: desabrochar. Tirar de mim aquela trava presa na garganta. Gritar ao mundo minha própria voz.
Muitas vezes, lá atrás, pensei em não lançá-lo. Acho que, como muitos escritores iniciantes, eu também ficava naquela de ler o que diziam os feras, os clássicos. E eu havia lido, em algum lugar, que um grande poeta brasileiro, havia deixado seus primeiros livros impublicados, só para poder, antes, “curar” aquilo que eu chamaria de “excesso emotivo da juventude”. O que seria isso? Seria revelar ao leitor sua inexperiência, sua “inocência”, digamos, no mundo da poesia. Uma escrita sem muito filtro, uma emoção descontrolada, insubordinada aos motivos do intelecto e da razão. Pensei mesmo em desistir. Daí, vasculhando minhas fotos de adolescência e revendo as fases da minha vida, aquelas desengonçadas que me trouxeram à maturidade de hoje, decidi que iria publicá-lo. Na verdade, quis um livro que me retratasse o espírito da juventude, aquele que eu habitava quando escrevi aquelas palavras. Depois, se, lá na frente, eu olhasse pra trás e visse um livro ainda pueril, sei lá, verborrágico e outras coisas, tudo bem. Eu aceitaria lidar com isso. Pensei: ah, e daí?! Estou publicando ele pra mim ou pros outros?! Melhor seria ter um retrato meu em palavras do que o aplauso de um crítico que não sabia nada de mim. Acho que as pessoas supervalorizam essa coisa de quem já se inaugura com a maturidade que não tem. Eu não. Eu me inauguro do jeito que sou, ou melhor, estou. E assim me inaugurei no mundo da literatura.
E o mais engraçado é ver que, para o meu público, meus alunos de letras, na faixa dos 17 aos 25 anos, este livro – e não os outros amadurecidos e melhor criticados pelos colegas professores – é, na opinião deles, o meu melhor livro até agora. Claro, afinal, é ele que dialoga, autenticamente, com a fase que meus estudantes vivem. É ele que os espelha e, para mim, como autora, não há nada melhor do que alguém chegar pra você e dizer: “poxa, mas você escreveu aquilo que eu queria dizer e não sabia como”. É esta a frase que me justifica. Não são os prêmios, as medalhas, as entrevistas, nem as críticas dos que estão lá em cima e que nem sempre conseguem sentir meu livro. Mas é este encontro entre as minhas palavras e o coração das pessoas que eu persigo. É assim que eu me sinto tocada e é assim que eu me sinto tocar alguma coisa que faça a vida valer um tiquinho mais a pena.