Esses dias, pela primeira vez, conheci uma pessoa que não tem tato. Foi quase um escândalo. Em pensar que há pessoas com tato que não têm tato algum. Tato para saberem quando e como falar certas coisas, tato para lerem os sinais de choro por trás dos olhos, tato para sentir a necessidade à distância, tato para tocar o outro quando este precisava de um outro tipo de toque. Se um dia alguém me perguntasse qual sentido eu iria preferir perder, eu responderia sem pensar: o tato. Mas, logo depois, eu pensaria: espera, perder o tato não é só perder o tato. Perder o tato é perder também a possibilidade de ser tateada. A possibilidade de receber um toque, de sentir um abraço, de sentir um beijo de boa noite na testa dado pela avó, o cafuné da minha mãe. Perder o tato seria mais que perder a capacidade de tocar. Perder o tato seria nunca mais poder ser tocada. Olha só que choque! Uma vez eu fiz uma operação para a retirada de varizes. Quando acordei, minhas pernas estavam ainda completamente anestesiadas. Era uma aflição tocá-las e senti-las com as minhas mãos, mas não sentir que minhas pernas sentiam minhas mãos. Era assim: minhas mãos me diziam que minhas pernas estavam ali, que elas ainda eram minhas. Mas minhas pernas não reconheciam nada do que minhas mãos lhes diziam. Minhas pernas tinham adquirido alzheimer em último grau. Não sabiam nem que se chamavam pernas, que tinham um nome ou para que existiam. Minhas pernas haviam se livrado da angústia da existência. Mas o resto do meu corpo estava todo memoriado. E se lembrava das minhas pernas. E queria fazer com que elas voltassem a ele, que se lembrassem que eram ele, que tudo estava integrado. Mas nada. Só umas duas horas depois foi que minhas pernas voltaram do seu transe para mim. Elas despertaram e redescobriram que eram parte de um todo. Um todo-corpo que era feito de pernas, braços, mãos, olhos, rins, ossos, pele, cílios… Um todo-corpo que sabia que para ser um corpo-todo dependia de uma série de partes que eram, ao mesmo tempo um todo em si mesmas, mas partes, quando se referia ao todo-corpo. É. Depois disso fiquei pensando o quanto algumas pessoas estão como as minhas pernas estavam, vivendo em estado de anestesia. O quanto algumas pessoas não se deixam ser tocadas, mesmo tendo o sentido do tato todo funcionando perfeitamente. Me dei conta do quanto algumas pessoas não perceberam que não estão a sós, que não sobrevivem apartadas, que são pernas dentro de um corpo-todo que é feito de muitas partes que são todas uma parte-todo fazendo parte de um todo-parte. E entendi que é por isso que o mundo humano parece estar assim, tão apartado. Porque as pessoas estão tão anestesiadas, que se tornaram as minhas pernas em estado de catatonia. Achando que são tão autossuficientes que podem fingir que não fazem parte de um corpo-todo composto de diferentes partes-todo chamado: humanidade. É… Parece que nem todo mundo que tem tato, tem tato para entender. Manda luz, Senhor, Deus, Jesus, Javé, Krishna, Jeová, Buda, Maomé, Universo, Tesla, Nada… Se algum de vós – ou todos ao mesmo tempo – estiver me ouvindo: manda luz!
*Crédito da Foto: Zoltan Tasi.