Um mormaço de chuva que se avizinha nasceu nos teus passos. Teus olhos me olham agora como o peso das pegadas. Uma poça de névoa por debaixo das órbitas. Um piscado mais lento que os do costume. Uma precisão em tua boca parece importunar as palavras que descansam no fosso em caos da garganta. Você pigarreia, como se algo te interrompesse de expelir aquela mudez para fora. Tu me olhas.
É ainda a primeira vez.
Paras o ar com o cigarro. O relógio com o pulso. O dia ganha mais uma centena de horas. Abaixas a cabeça. Tornas a levantá-la. Tu me olhas.
É ainda a segunda vez.
Aquele olhar de quem recebeu pelo telefone a notícia fatídica ante todos aqueles que esperam, adiante, aquilo que tua boca há de pronunciar para que o fato se concretize, para que do verbo nasça e se aceite a realidade. Acabou. Era essa a palavra que procuravas? Acabou? Mas nada parte dos teus lábios secos. Nem há saliva sobre a língua. Respiras fundo. Mais um trago. Apagas o cigarro no cinzeiro, esmagando-o como se ali pudesse fazer desaparecer o mundo de tua gravidade. Teu olhar baixa os olhos.
É ainda quase a terceira vez.
Procuras com eles a terra por debaixo dos tacos do chão. Desta vez, não me olhas. Dás-me as costas à volta. Seguras firme a maçaneta. Respiras. Longamente. Ergues a cabeça, os olhos além da porta. E a partida sai de tua boca pelos pés. Sem a despedida.