A escrita estava agarrada naquela tinta de caneta que deslizava no branco da folha. O branco da folha. Era o branco da folha que sujava as letras. E depois era sujo por elas. As letras. As letras são desenhos rupestres? A minha, um garrancho. Ele se construía naqueles garranchos. Se entendia, se consumia, se destruía. Se tivesse outra saída, ah, se tivesse. Mas cadê que ele sabia. Nenhum pronome sabia dizer o que ele descrevia naquelas linhas tortas. Linhas ébrias. Tontas. A tinta começou a manchá-lo. O sonho do canhoto era poder escrever da direita para esquerda. Mas o mundo limitado dos destros o limitava àquele trabalho de se manchar em suas próprias palavras, tintas, letras, até que a folha acabou. Mas não a escrita. A escrita continuou seu caminho no ar. A tinta preta saía da folha e ia fazendo o seu traçado no vento. O espaço foi ficando todo marcado. O ar tornou-se um caderno. Ele o escrevia em tinta preta, vencendo a gravidade daquele momento. E as palavras ficavam soltas, à mercê do vento. As palavras dançavam conforme a dança das cortinas. Tentou soltar a caneta sem êxito. Seu punho não parava. Estava cansado. Precisando recuperar o sono atrasado. Não podia. As palavras não queriam dormir. Elas estavam acesas no vento. Elas eram o sopro. Queria dormir. Queria dormir. Passou a linha por seu corpo. Deu-se voltas e voltas até o pescoço. Ali chegando, sentiu. A mão cada vez mais forte rodopiando no ar. Mais forte. Mais forte. Mais forte. Até cortar-lhe o ar.