Procuro um livro que me devolva a mim, que me faça a inteireza do presente, a pluma a se espalhar ao vento, a pedra carregada pelo rio voltando a ser montanha. Procuro um livro que me encontre, que me seja a entrada e o desnorteio de um labirinto sem tamanho. Um livro a captar a fome no olhar de um leão a avistar sua presa, um livro a ser o coração em susto da presa avistada. Procuro um livro que me guie pelos cinturões das galáxias, que me afunde em seu lago mais profundo e me faça renascer do outro lado do mundo. Um livro-astro, parte das constelações zodiacais indecifradas no mapa das estrelas. Procuro um livro que me seja a aflição e a causa, o penhasco e a queda, a mão a me empurrar ao desequilíbrio, o colo-ventre da proteção. Um livro que me desafie, que em mim crave sua espada e depois me desabroche na flor presa à encosta de um longo e vertical precipício. Um livro que me seja um amante sem pressa, a pele a manter todo o corpo unido, o corte afiado da folha sobre o dedo. Procuro um livro que me descubra a imensidão, que me salve da morte por me fazer tocá-la, que me seja o sangue do desejo e a alma na carne das palavras. Procuro um livro que me leve ao além do ponto final, ao atrás do horizonte onde dorme o sol e suas crateras, ao lugar onde a luz fez seu primeiro nascimento. Procuro um livro que me tome em seus braços universais e me faça recuperar o sentido vivo das línguas perdidas nos povos que não resistiram à extinção. Um livro que me abra o quarto chakra e me desperte da ilusão de achar que só há superfície onde há olhar. Procuro um livro que seja o voo da terra, a asa do ar, a densidade da areia ao fundo do mais denso mar. Um livro que seja o amor a todos os seres e que entenda da ira do fogo expelido pela boca do dragão da ficção. Um livro que me devore os plexos da compreensão e, por isso, seja o barbante de Ariadne a me revelar a saída da caverna onde se esconde a vida. Procuro um livro. Um livro. Um livro…