Alguns pais parecem querer ter filhos somente para ganharem uma segunda chance na vida. Estendem seus sonhos profissionais não realizados aos pequenos e acham que se eles não subirem de joelhos por essa escadaria não são bons o bastante. Forçam, à base de chantagem emocional, uma criança a crescer como um adulto projetado. E ao descobrirem que suas crias andam mentindo por debaixo dos panos, se surpreendem… Por quê?!
Se você quer que seu filho seja um mini-protótipo do que você poderia ter sido, faça como Romeu e Julieta e reze para nascer de novo. Não é justo mutilar os sonhos da vida de alguém com projeções suas… Ninguém será feliz: nem pai, nem filho.
Nenhum diploma na parede compra o direito de realização de uma pessoa. Pais que não conseguem entender que cada um tem seu modo particular de deixar pegadas são pessoas egoístas. Veja lá se alguém nesse mundo é capaz de encontrar a felicidade sendo mero coadjuvante na própria peça?! Mais dia menos dia, o filho acorda do pesadelo e grita alto: -Esse sonho não é meu! Aí, vem o terremoto. A casa cai e o filho cai fora da casa dos pais para tentar voar nas asas de seus próprios desejos… Os velhos se descabelam enquanto seus projetos humanos vagam perdidos estendendo seus polegares a estradas e ventos que lhes deem a opção da escolha. É assim que se vive de verdade: vivendo-se. Por si e para si.
Não dá para saborear o que quer que seja pela boca dos outros. É preciso pegar na lama para saber que ela é úmida e que suja as mãos. E se violamos a vontade de nossos pais, é porque queremos aprender a respirar por nossos pulmões; é porque não queremos que nossos filhos tenham pais que sejam tão frustrados a ponto de só quererem ter filhos para que estes vivam por eles.
Se encontrar não é nada fácil… E se torna ainda mais difícil quando aqueles que mais nos dizem amar nos traçam caminhos que não cabem em nossos pés. Caminhos que ultrapassam um razoável senso de proteção e deixam de ser, como deveriam, apenas uma torcida para que sejamos felizes.
Ser pai é doído, mas ser filho também é, especialmente com caras aflitas nos assistindo… Ser filho é ser carrinho de bate-bate sem a proteção de borracha. É bater ferro com ferro e doer na esperança de que o nosso encontro conosco seja algo que nossos pais não só aprovem, mas admirem.
Chega de criar filhos dispostos a trocarem sonhos por amor. Amor não pede – nem impede – sonhos pra continuar amando. E acho que os que são capazes de ensinar isso a um filho é porque foram filhos que conseguiram se realizar na árdua profissão de pais.
Foto: Thiago Cerqueira