Quando abri os olhos pela primeira vez vi. Vi o que todo olho vê e não vê. Vi as formas dispensáveis das retinas. Vi as cores despercebidas pelas pupilas. Vi a falta de nitidez daquele dia tão nítido. Vi que o que tudo vê, nada é. Vi o quanto são cegos todos os que veem. Vi o quanto do mundo é perdido pelos olhos. O mundo não é visto. O mundo é feito de cegos que pensam enxergar porque andam de olhos abertos. E de olhos bem abertos, tão abertos, não se enxerga nada. Naquele dia acordei com os olhos abertos para minha cegueira humana, tão natural a tudo que tem olhos e não vê. Naquele dia acordei para a falta de visão que havia se acumulado sobre meus olhos saudáveis. Naquele dia, de olhos fechados, pude ver todo o horizonte das coisas que a visão poderia alcançar, mas tem preguiça. Naquele dia fechado no casulo que se fecha por debaixo das pálpebras, pude enxergar uma vida, um mundo, o detalhe das cores, o detalhe das formas que se unem no espaço da tridimensionalidade de dois olhos, um espaço de constelações… Naquele dia de olhos fechados olhei o anel de fogo do sol e o piscar de olhos intermitente de todas as estrelas que nos olham de tão longe. Foi um dia em que fingi acordar cego e vi. Foi um dia em que vi pela primeira vez como se nunca soubesse o que era ter visto. Como se ver com olhos saudáveis não me fosse natural, mas sobrenatural, como tudo o que pode ser visto é. Ganhamos muito cedo a visão. E de tão imaturos que somos, nunca aprendemos de fato a enxergar…