Vivíamos o amor na pressa das horas marcadas. Para tudo tinha dia, relógio, cronômetro. A agenda era a pauta de nossos sentimentos. Vivíamos nossos trabalhos e vezenquando trocávamos qualquer beijo, mãos, espanto. O afeto havia se tornado rotina. E a rotina era o gesto maquinal de nossos toques. Até o dia em que, sentados no sofá, diante da TV, mãos no celular, olhos em outro lugar, começamos a nos monologar. Do meu lado, eu ouvia a sua distância. Do seu lado, sua vista mal me descobria. Paramos um segundo. Trocamos, como há muito não fazíamos, um olhar profundo. Foi o bastante para nos dizermos todas as palavras sem lugar. Hoje, a paisagem do teu rosto aparece descolorida em minha memória. Quase como a lembrança de um pressentimento. Sobre nosso passado, uma névoa de folha virada desceu. Apagando de mim aquele tempo que nossa relação nunca de verdade viveu.
Crédito da foto: Jiyeon Park.