Corro. Corro porque sou livre. E livre voo. De braços abertos. Sobre a terra que é tanto caminho quanto caminhada. Sobre a vida que se abre aos ventos que sopram o sopro da existência em minhas pernas. Existir é milagre. Magia de amanhecer. Fruto que brota trazendo novamente as futuras sementes dentro de si. Salto os obstáculos. Eles não existem pra mim. Liberdade é quando o sonho alcança os pés descalços e estes viram asas a brisarem, num instante, a eternidade. Sinto o corpo leve, como se dentro de mim dançasse um balé de vontades satisfeitas. Sou mulher e força, delicadeza e punho, contornos finos feitos à mão, o retoque final da caligrafia de um anjo. E não importa se à minha volta há montes, cumes e alturas. Eu piso os vales como quem faz amor às nuvens. O estupor da vida vive dentro de mim, explode no meu sangue, transborda nos meus olhos, transpira nas auréolas dos meus seios. Eu sou a alegria do dia que nasce à oeste das recordações. A lembrança de um percurso, o futuro de um abraço. Meu corpo é de renda, arabescos esculpindo sombras sobre a minha pele, esvoaçando texturas em toques indecifráveis. É a luz que me desenha. Sou um quadro em movimento, a natureza em suas disputas de sol e cinzas. E tudo o que se abre em mim são janelas de flores. Gestos de mãos soprando carícias como se na ponta dos dedos alguém pudesse tocar o rosto de Deus. Danço. Na solidão de tudo o que me circunda. Ouvindo os clamores das plantas rasteiras em seus desejos de serem menos raízes e mais asas. Eu sou. A asa a renascer das escarpas. A moldura e a foto. O contraste do cabelo negro sobre o pano branco. A mandala tatuando nas costas a trajetória ao único. Corro. Corro porque sou livre. Danço. Danço porque sou emoção em carne. Descoberta. Quase-nua. Mistério em exposição. Sou sopro e liberdade. Esta é fórmula do espírito na minha matéria. Esta é a vastidão da minha coreografia. E assim seguirei. Feito estrela a rodar o mundo. Até o improvável fim. Do infinito.