Olhou praquela meia-bolha saindo da bancada da pia. Era meia e era o mundo inteiro. Ali, naquela bolha feita de nada senão ar. Aquela bolha que esticava sua superfície naquela superfície lisa. Que se espreguiçava na pia com sua pele fina, mais fina que um fio de cabelo. Era só uma bolha de sabão que nascia ao meio. Que, sem forças, não terminou o que veio fazer. Será que ela sabia de sua beleza? Será que ela já havia visto o céu? Procurou um canudo. E se a soprasse tão bem soprada que lhe desse mais vida? Que a fizesse sair do ao meio para o todo? E será que a fina pele d’água aguentaria ter um canudo lhe penetrando? Teria de ser suave. Tão suave o toque que não sentisse a superfície da bolha. Que lhe adentrasse a fina camada e a enchesse por dentro. Porque todas as bolhas sufocam. Todas as bolhas sufocam e de tanto ar contido podem estourar. E se estourasse aquela bolha ao meio? Seria justo? Seria justo tirá-la do mundo sem tê-la sentido viver? Sem tê-la visto voar? Procurou o canudo. Onde estaria? Na gaveta? Não na primeira. Nem na segunda. Na terceira talvez. Também não. Na quarta. Sim, na quarta! Foi leve ao encontro da bolha. Pôs a boca no canudo e, já dentro daquela fina estrutura que insinuava romper, mas não. A bolha aguentou firme o ar que lhe soprava o crescimento. Cresceu. Esticou-se tanto que uma nova metade circular saiu de dentro de si. Tornou-se mais leve que o ar que a continha e voou pela cozinha. Ele, que a preenchia por dentro, agora a soprava por fora. Queria fazê-la chegar até a janela. Queria vê-la cair no vento novo, ser levada. Ele queria ser a bolha. Queria ter aquele sopro por dentro. Mas ele já tinha. Só não percebia. Será que a bolha estoura? Ou será que só volta a ser o que era: ar. Ele voltaria a ser? Ela voltaria? E aquela superfície suspensa, naquela cor de transparência que tantas cores abrigava em seu reflexo, seguia. Esticava-se incomum, deformava-se e voltava à sua forma esférica. Será que o pensamento do universo estaria ali, do jeito que estava aquela bolha fechada em si? Mal chegou à janela, puf! Ah, perdeu seu tempo à toa! A bolha não cumpriu o destino que ele queria. Mas quem sabe que destino cumprir? Nem a bolha. E daí?, disse-se. Era só uma bolha. Como tudo que é importante na vida, uma frágil bolha prestes a estourar. Melhor era terminar de lavar a louça.