O corpo do outro é vertigem. Sensações, sentimentos, perturbações, inquietações. “Você me renasce a cada dia…” Nascer e morrer a cada toque, a cada dia e a cada noite.
“Amar é a melhor coisa do mundo, e também é a pior”. Pensar o luto e a melancolia nesse amar, nesse latejamento cotidiano, na antropofagia da sexualidade, na “poesia da carne”. Digerir ou não numa congestão de sentidos de carne e osso.
“Quem nunca?” escreve e inscreve as voltas do parafuso que a vida oferece nas experiências sempre incompletas do desejo. Imagens de corpo e de sentimentos. Esse eu que investe sentimentos e se perde neles. O eu como sentimento e sintoma. Sentimento de existir, se ser eu e outro. Fim da ilusão da completude, do amálgama, da junção. O repouso e a inquietação para sempre a atormentar os sentidos. Perguntas jorram: “ beijo é beijo e sexo é sexo? Ou beijo é sexo e sexo é beijo?” Ou…ou….! “ser bom de beijo ou de sexo?” Estou diante de uma mulher preocupada com seu desejo.
Continuo a leitura de “Poços dos desejos”: profusão de sensações que mostram imagens alimentadas no amor que a narradora tem por si mesma. Corpo sentido, real, sensível, desejante, gozoso. Corpo visto, projetado no outro sob forma amorosa.
O leitor é raptado pelo jogo quase ingênuo da sexualidade da personagem-narradora. Perturbado pela dimensão do fascínio do discurso amoroso entre as interrogações e algumas afirmações peremptórias: “a grande vantagem do tempo é termos mais tempo pra nos conhecermos melhor…” ou “ quer saber o que é relação? É fase…”
Crivada pela interioridade, a reflexão se esvai, mas os caminhos são muitos. Traços que se dispersam e se apagam. O amor é um crime monstruoso que nos dilacera pela instabilidade do mundo, por nossa incapacidade de conhecê-lo. Não há nada a se dizer, por isso diz-se. Daí a literatura.
Vera Casanova
(Professora e Literatura Brasileira da UFMG)
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